À medida que o tempo passa e as metas climáticas são renovadas em conferências anuais, deparamo-nos com um dilema essencial: as recomendações e os compromissos assumidos são realmente viáveis ou estão destinados a permanecer no papel? Na COP28, realizada no ano passado em Dubai, líderes de 133 países, inclusive do Brasil, se comprometeram a trabalhar conjuntamente para triplicar a capacidade de geração de energia renovável mundial até 2030 e a dobrar a taxa de eficiência energética anual. Essas promessas foram reforçadas recentemente pelo B20 Brasil, fórum que conecta a comunidade empresarial aos governos do G20 e reúne 1.200 representantes do setor empresarial. No fórum, essas metas foram incluídas em um conjunto de políticas fundamentais para viabilizar o desenvolvimento sustentável e a descarbonização global. No entanto, se as metas se repetem, fica a pergunta: o que, de fato, está mudando?
Para atingir essas ambições, temos diante de nós um cenário técnico e econômico complexo. A boa notícia é que já existe tecnologia para expandir as energias renováveis: fontes como solar e eólica, por exemplo, já são viáveis e competitivas, entregando eletricidade com custos muitas vezes inferiores aos de fontes fósseis. Contudo, para que possamos atingir o ritmo de expansão necessário, precisamos de uma visão integrada, que vai muito além da troca de fontes de energia. É preciso reestruturar os sistemas elétricos, garantindo a confiabilidade e a segurança do suprimento, essenciais para atender à crescente demanda de eletrificação global.
Um aspecto crucial é que o planejamento da transição não deve estar apenas vinculado à oferta de energia, mas também ao consumo e à gestão da demanda. O aumento da capacidade de geração é vital, mas antes precisamos garantir o uso eficiente e consciente da energia a ser produzida. O crescimento das redes e a ampliação da infraestrutura de eletrificação, alinhados a um planejamento que tenha a eficiência energética como pilar, são essenciais para que possamos sustentar o desenvolvimento. Neste contexto, garantir o fornecimento de minerais estratégicos para a transição energética de forma ambientalmente e socialmente responsável será crucial, considerando que a demanda por esses insumos mais que triplicará na próxima década.
Mas será que contamos com as políticas e incentivos certos para garantir esse avanço? Acredito que sim, não em um horizonte de cinco, mas talvez em dez anos, desde que alguns pontos essenciais sejam considerados.
Como discutido pelos líderes globais na COP28, as iniciativas precisam reconhecer as diferentes realidades e condições de partida de cada país. Esse esforço global exige a colaboração tanto das nações historicamente responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa quanto das que estão em processo de desenvolvimento e desempenham um papel central na transição energética. Países com menos recursos, mais expostos aos impactos das mudanças climáticas ou que enfrentam necessidades de desenvolvimento urgente precisarão de apoio adicional. Para garantir a viabilidade dessa transição, é fundamental que os governos criem ambientes regulatórios estáveis e ofereçam incentivos econômicos claro, além de fomentar o engajamento ativo da sociedade civil, das empresas e da academia, com foco tanto no desenvolvimento de talentos quanto na atração de investimentos de longo prazo.
Mas o que mais me incomoda ao observar as metas é a inércia da comunidade global, que insiste em revalidar propostas sem direcioná-las com ações concretas e eficazes.
O tempo está contra nós. Não podemos nos dar ao luxo de olhar para o retrovisor e manter uma visão reativa às mudanças climáticas. A formulação de políticas eficazes precisa se voltar para o futuro e focar na harmonização de estratégias regulatórias, a fim de atrair investimentos, engajamento do mercado e respostas de investidores alinhadas aos desafios que temos à frente.
Se olharmos para uma década à frente, o que veremos? Globalmente, uma eletrificação mais ampla, com demanda crescente por centros de processamento de dados, polos de hidrogênio verde em operação e, possivelmente, as primeiras plantas comerciais de fusão nuclear.
No Brasil, espera-se que, em 10 anos, a conscientização ambiental e a pressão por práticas ESG estejam mais integradas nas operações empresariais, com um mercado de carbono estruturado e operante para fortalecer a implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do país. Também podemos esperar avanços na gestão e tratamento de águas em regiões áridas e semiáridas, assim como a consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura. Além disso, combustíveis sustentáveis deverão ganhar espaço no transporte de carga e aviação.
No setor energético, o mercado livre deverá estar acessível a todos os consumidores, incluindo os residenciais, enquanto tecnologias de gestão de demanda e redes inteligentes (smart grids) permitirão otimizar a transmissão entre diferentes regiões e aproveitar melhor o potencial dos sistemas de geração distribuída, complementados por sistemas avançados de armazenamento de energia.
Se tudo correr conforme o previsto, o primeiro parque eólico offshore do país estará em operação ou prestes a ser concluído. No entanto, novos desafios surgirão: baterias de veículos elétricos próximas ao fim de sua vida útil, a necessidade de repotencializar parques eólicos onshore e usinas solares, além de um volume crescente de resíduos de painéis solares e pás eólicas, exigindo uma infraestrutura robusta de logística reversa e reciclagem. E, acima de tudo, os efeitos das mudanças climáticas serão sentidos de forma ainda mais intensa e evidente.
Sim, é tecnicamente possível triplicar a capacidade renovável até 2030, mas o sucesso dependerá de políticas consistentes que garantam segurança jurídica, alocação eficiente de recursos e participação ativa dos governos, empresas, e sociedade civil. Esta transição deve integrar crescimento econômico com justiça social e sustentabilidade ambiental. Mais que tudo, é essencial uma mudança de mentalidade. Precisamos nos mover adiante, deixando de lado a visão limitada que olha para o retrovisor. O futuro exige que consideremos não só as realidades do presente, mas também as oportunidades e necessidades que surgirão ao longo da estrada.
Por Jonathan Colombo
Fonte: Valor Econômico – 27/11/2024