A presença majoritária da energia de fonte hidráulica na matriz energética brasileira garante ao país uma posição de destaque entre aqueles com condições de liderar uma transição energética global. Hoje em 53%, as hidrelétricas já responderam por 90%.
Para especialistas do setor, políticos e representantes setoriais que participaram de painéis sobre transição energética e o futuro da energia no Imersão Indústria, encontro organizado pela Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), em Belo Horizonte, a redução é um erro e parte de uma leitura equivocada do impacto das usinas hidrelétricas.
“A demonização da hidrelétrica no Brasil fez com que nossa matriz fosse sujada”, disse Flávio Roscoe, presidente da Fiemg, para quem há necessidade de mudar a legislação ambiental que teria, segundo ele, inviabilizado a construção de novas hidrelétricas.
“O problema é a legislação que impede, que tornou proibitiva a construção de hidrelétrica. Ninguém parou de fazer porque quis. Fazer termelétrica é muito fácil. Você constrói um prédio, mete óleo diesel, liga a caldeira, queima, emite CO2 aos milhões, mas tem licença imediata”, disse.
Por outro lado, segundo o dirigente da entidade das indústrias, “para fazer um lago, você passa por 20 anos de calvário para ter uma licença e produzir energia de fonte limpa”.
Para Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), é necessário defender a construção de hidrelétricas com reservatório para garantir a sustentabilidade do sistema elétrico.
Apesar do aumento na participação de outras fontes na matriz elétrica brasileira, principalmente das eólicas, ele diz que sem hidrelétrica, vai faltar energia, e decisões políticas como a medida provisória do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do último dia 9 podem piorar a situação.
No dia em que falou no evento da Fiemg (sexta, 12), Santana deu os seguintes exemplos: entre 15h e 17h30 havia 28 gigawatts de energia solar operando que, após o fim da tarde, caíam a zero. “Quem substitui tudo isso hoje são as hidrelétricas.”
Ele calcula que em 2029 seriam 50 gigawatts de solar no mesmo intervalo e que teriam de ser substituídos nesse curto espaço de tempo. “É dificílimo operar um sistema desse jeito.”
Com a medida provisória da semana passada, Santana calcula que, de 50 gigawatts solares, o volume a ser substituído saltaria para 80 gigawatts. “Se não tem hidrelétrica, como não pode faltar energia, vai ter que ter termelétrica e eu acho que não deve ter mais termelétrica”, disse.
A defesa das hidrelétricas, para o técnico, é razoável e bem sustentável. “A gente fala que a matriz nossa é a mais limpa. E é mesmo uma das mais limpas do mundo. E quem determina tudo isso são as hidrelétricas. E as hidrelétricas não podem mais ser construídas, então isso é meio contraditório”, afirmou.
O ex-diretor da Aneel também criticou, durante o painel, o que considera ser uma sucessão de decisões políticas tomadas sem a participação do setor elétrico.
Um desses casos foi a inclusão de “jabutis” na MP da privatização da Eletrobras que previam a construção de térmicas a gás, que teriam de operar por 70% do tempo e com um volume obrigatório de 8.000 megawatts.
“Por sorte nossa, [as térmicas] não estão dando certo”, disse. “Aquilo não partiu do setor elétrico, partiu do Congresso. Não foi nem o planejador, nem o operador, nem Aneel.”
Santana pediu que entidades como a Fiemg atuem para evitar novos jabutis e medidas que pressionem ainda mais o custo da energia, com a MP mais recente.
Fernando Teixeirense, diretor de relações institucionais da Abrace, associação que representa os grandes consumidores, disse que a inclusão de mais subsídios para fontes renováveis na medida provisória da semana passada vai deixando o setor cada vez mais disfuncional.
“Somos o país da energia barata e da conta cara”, disse. “Parece que quem critica os subsídios é contra essas fontes, o que não é verdade.”
Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico mineiro, Fernando Passalio, a campanha “pró-hidrelétrica” que Minas Gerais abraça é importantíssima para o futuro do Brasil.
Passalio disse, durante o evento da Fiemg, que o estado trabalha para reduzir assimetrias que tornariam mais difíceis os licenciamentos para hidrelétricas no país. “A gente precisa de energia contínua e, quando a gente tem hidrelétrica, deixa de usar térmicas e fontes sujas.”
O secretário do governo Romeu Zema (Novo) afirmou que a defesa das usinas está alinhada também com “a causa do etanol” em oposição à eletrificação. No ano passado, Zema defendeu que carro elétrico é uma ameaça aos empregos no Brasil.
A Stellantis mantém uma importante unidade industrial da Fiat em Betim (MG). Há pouco mais de um mês, a companhia que também controla Peugeot e Jeep anunciou R$ 30 bilhões de investimentos para carros híbridos flex.
A defesa do etanol é também um aceno ao setor canavieiro de Minas Gerais. O governo Zema anunciou, por exemplo, que a frota estadual de veículos passará a ser abastecida com etanol.
“Isso é uma parte da descarbonização da economia. Se a transição [para o carro elétrico] for muito abrupta, temos toda uma cadeia produtiva do setor automotivo que deixará de existir imediatamente”, disse Passalio. O secretário afirmou, porém, que o estímulo ao etanol não deve ser visto como uma resistência à eletrificação.
“Tanto que estamos abraçando a causa dos veículos a etanol e eletricidade. Esse híbrido consegue preservar a indústria, a cadeia produtiva. O Brasil não pode abrir mão desses empregos”, disse.
Fonte: Estado de Minas – 22/04/2024