Justiça climática e a descarbonização da mobilidade

*Por Emanuele Cappellano

Temos nos deparado nos últimos anos com os impactos cada vez mais severos dos fenômenos climáticos como consequência do efeito estufa, ocasionado pelo acúmulo de CO2 na atmosfera. Não se trata mais, há tempos, de hipóteses concebidas a partir de estudos acadêmicos, muito menos amplificação de vozes alarmistas – até porque a realidade se impõe, e as catástrofes recentes, como as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, em abril deste ano, são exemplos sofridos e alarmantes por si só, que deixam inúmeras sequelas.

Os dados obtidos a partir desses eventos extremos apontam para projeções que, sem uma política climática, a temperatura de hoje na Terra poderá aumentar cerca de 5°C até 2100, impactando diretamente 3 bilhões de pessoas, que precisarão migrar das áreas mais afetadas para outras regiões. Ou seja, quando os 195 países assinaram o Acordo de Paris, em 2015, o foco era muito mais voltado para o combate à causa do aquecimento global. Hoje, seguimos correndo contra o tempo em relação à causa e, adicionalmente, precisamos implementar com urgência medidas para mitigar suas consequências.

Então, o tema é latente, e senta-se à mesa de todos. Como lidar com o desafio da descarbonização? Não por acaso, a COP29, que será no Azerbaijão, e a COP30, aqui no Brasil, em 2025, trarão, provavelmente, dois temas centrais para as rodadas de discussões: o balanço global para a mitigação de carbono e como devemos nos adaptar para os eventos climáticos extremos.

A complexidade do problema exige diferentes abordagens, complementares e transversais, para apontar soluções e adaptá-las às características e necessidades de cada país, com o envolvimento dos setores públicos, privados e da sociedade como um todo.Tudo isso levando em conta a justiça climática, já que os impactos ocasionados no meio ambiente por conta dos maiores emissores de gases do efeito estufa (liderados por China, Estados Unidos e União Europeia), são sentidos de maneira desproporcionalmente desfavorável em países em desenvolvimento e junto às populações vulneráveis.

O Brasil está distante da lista dos países que mais emitem carbono e destaca-se em várias frentes de atuação para mitigar as consequências do efeito estufa. Embora deva considerar suas responsabilidades históricas limitadas em termos de emissão, o país tem potencial para liderar o movimento de descarbonização e de inovação para a mobilidade sustentável. Aqui, quando falamos em pegada de CO2 no setor de transportes, já somos referência global graças aos benefícios de uma matriz energética renovável, tendo no etanol um de seus diferenciais, somada às políticas públicas implementadas – vale destacar que o setor de transportes nacional representa apenas 14% do total de emissões de CO2 do país, segundo dados da Climate Watch.

Por isso, no contexto brasileiro, com suas diferenças, degraus sociais e dimensões continentais, forçar todo o setor a migrar rapidamente para uma única solução de mobilidade sustentável, como a dos veículos puramente elétricos, seria dar as costas para um modelo que todo o mundo busca e gostaria de ter, com uma matriz baseada em combustíveis renováveis, que já está estabelecida, com logística equacionada, acessível e extremamente eficiente.

Vimos que nem mesmo os países desenvolvidos, após aportes colossais de recursos para a infraestrutura e subsídios aos consumidores, conseguiram equacionar a transição para uma matriz de mobilidade 100% elétrica. Os investimentos precisaram ser revistos, os bônus dos governos europeus cessaram e, consequentemente, os consumidores voltaram a buscar alternativas de veículos mais acessíveis.

O Programa Mobilidade Verde, o Mover, avança na mitigação do carbono, fomentando justamente o uso de combustíveis renováveis, associados às tecnologias híbridas e elétricas. E devemos valorizá-lo não só pelos avanços que representa do ponto de vista tecnológico, como também por representar uma política ambiental inclusiva, com justiça climática. Busca, de forma responsável, descarbonizar a mobilidade levando em consideração o cenário socioeconômico do país, assegurando uma transição que não prejudique trabalhadores nem comunidades que dependem economicamente de setores de transporte tradicionais. O Mover protege o meio ambiente, estimula a indústria nacional e sua extensa cadeia de fornecedores, gerando empregos e diminuindo desigualdades seculares. Enfim, traz riqueza virtuosa, constrói transição entre as tecnologias, sem representar uma ruptura ou barreira aos consumidores.

Como adiantei, problemas complexos requerem diferentes abordagens, com a participação de todos. Nós, da iniciativa privada, e representando a empresa líder do mercado automotivo no Brasil e América do Sul, que opera plantas de produção em três Estados brasileiros, empregando diretamente mais de 25 mil funcionários, já estamos em ritmo acelerado para contribuir com o mesmo propósito. Para cumprir com o objetivo global da companhia de neutralizar a emissão de carbono de todas as operações até 2038, com 50% de redução já em 2030, anunciamos o maior plano de investimentos da história da indústria automotiva no país e região: R$ 32 bilhões de 2025 a 2030.

Com esse montante, lançaremos 40 novos modelos, quatro novas plataformas, oito powertrains, além da tecnologia Bio-Hybrid, que em breve será lançada nos produtos de nossas marcas. Desenvolvida pela nossa equipe de engenharia do Brasil, ela combina eletrificação com motores flex movidos a biocombustíveis em três diferentes níveis. Assim, geramos conhecimento e novas tecnologias nacionais, que fomentam o desenvolvimento da indústria e de novos negócios, sempre de braços dados com a responsabilidade socioambiental.

Investir nesta rota tecnológica é uma opção estratégica da empresa, com o intuito de promover e valorizar as características positivas da matriz energética brasileira, em que se destacam os biocombustíveis e a energia elétrica gerada por meios renováveis. Esta é uma enorme vantagem competitiva do Brasil, e acreditamos na força desse movimento virtuoso que mobiliza de maneira justa, integrada e convergente, sociedade, setores públicos e privados. Acreditamos que só assim, juntos, lideraremos as fronteiras da mobilidade segura, acessível e sustentável.

Fonte: Valor Econômico – 06/09/2024